16.5.17

Machado de Assis (Promessas espirituais)





Capitu, que estava na alcova, gostou de ver a minha entrada, os meus gestos, palavras e lágrimas, segundo me disse depois; mas não suspeitou naturalmente todas as causas da minha aflição.
Entrando no meu quarto, pensei em dizer tudo a minha mãe, logo que ela ficasse boa, mas esta idéia não me mordia, era uma veleidade pura, uma ação que eu não faria nunca, por mais que o pecado me doesse.
Então, levado do remorso, usei ainda uma vez do meu velho meio das promessas espirituais, e pedi a Deus que me perdoasse e salvasse a vida de minha mãe, e eu lhe rezaria dois mil padre-nossos.
Padre que me lês, perdoa este recurso; foi a última vez que o empreguei.
A crise em que me achava, não menos que o costume e a fé, explica tudo. Eram mais dois mil; onde iam os antigos?
Não paguei uns nem outros, mas saindo de almas cândidas e verdadeiras tais promessas são como a moeda fiduciária, — ainda que o devedor as não pague, valem a soma que dizem. 


MACHADO DE ASSIS
Dom Casmurro
(1900)

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